quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Pergunta: Utilização do Carro do Conselho Tutelar pelo Prefeito Municipal

Carro Conselho TutelarPergunta:
O Conselho Tutelar possui carro novo entregue pelo Governo Federal, de uso apenas deste órgão, com motorista da prefeitura que também faz o horário diário e plantão.
Em situações especiais fazemos solicitação ao poder público municipal.
Por exemplo, quando um adolescente fugiu de casa e encontrava-se em outra comarca e foi necessário buscá-lo, solicitamos transporte e motorista para que os responsáveis legais – pai e mãe, fossem buscar o filho. Nessa situação, o responsável da prefeitura respondeu mencionando que iria pagar a diária para o nosso motorista e o mesmo teria que ir com o carro de uso exclusivo deste Conselho Tutelar.
Em outra situação em que a psicóloga judiciária, fazendo contatos de adoção, precisava de transporte para levar a criança até a cidade vizinha para fase de adaptação com a família adotiva. Devido à parceria da “rede” com o judiciário, fizemos a mesma solicitação de serviço público, porém nos responderam da mesma maneira que isso deve ser feito com o nosso veículo.
Dessa forma não teríamos veículo para trabalho e nos impediria de atender as denúncias repentinas. Quando o veículo do CT era da frota pública municipal, disponibilizavam outro para estas situações, porém já que o veículo doado pelo Governo Federal é de uso exclusivo, a situação mudou.
Analisando o Estatuto da Criança e do Adolescente, no Art. 136, III, a - requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; não indica em nenhum momento “transportes”.
Existe algum artigo do ECA, ou uma forma legal para que possamos requisitar este tipo de serviço, para atender casos dessa natureza?
Criança morre em acidente com carro do Conselho TutelarResposta:
O “transporte” é o MEIO pelo qual alguns dos serviços que podem ser requisitados devem ser prestados, por exemplo, se para um atendimento de saúde é necessário retirar o adolescente de casa e levar para o hospital (no caso de impossibilidade de locomoção), quem tem que providenciar o transporte é o setor de saúde (e por meio de ambulância); se uma criança/adolescente, para estudar, precisa de transporte escolar, é o setor de educação que tem que fornecer a condução (ou custear, por meio de “vale transporte” ou equivalente o deslocamento); se a demanda é para algum atendimento da assistência social, é esta que deverá buscar/levar ou custear o deslocamento, e por aí vai.
Quando se “requisita” a prestação do serviço (e a “requisição” deve ser vista como um “último recurso” pois, antes dela, devem ser tentados encaminhamentos que não dependam de semelhante expediente – que é um “ato de força/de autoridade” que, como tal, não pode ser “banalizado” – até porque seu eventualmente descumprimento importa, em tese, na prática da infração administrativa prevista no art. 249, do ECA e pode mesmo caracterizar o CRIME DE DESOBEDIÊNCIA previsto no art. 330, do Código Penal), está implícito que, para tanto, deverão ser utilizados todos os MEIOS necessários, incluindo eventual transporte (razão pela qual não é necessário constar do citado art. 136, inciso III, do ECA qualquer referência ao “transporte”)…
Este tipo de ponderação deve ser levada aos GESTORES dos setores da administração competente, assim como ao CMDCA local, de modo que sejam definidos “FLUXOS” de atendimento para as situações relatadas, dentre outras que necessitem do transporte.
O atendimento a ser prestado NÃO PODE, de modo algum, ser “condicionado” ao “transporte” do usuário pelo Conselho Tutelar e/ou à utilização do veículo do Conselho Tutelar, que não é o meio adequado para tanto (imagine o veículo do Conselho Tutelar transportando um adolescente que necessita de atendimento médico para o hospital…), e nem “substituiu” os veículos que devem estar a cargo dos órgãos que prestam os serviços públicos respectivos.
Vale lembrar, a propósito, que não é porque se trata de criança ou adolescente que o atendimento a cargo do Poder Público (que, nunca é demais enfatizar, deve ser prestado de forma ESPONTÂNEA e com a MAIS ABSOLUTA PRIORIDADE) deve ser de qualquer modo “condicionado” à intervenção do Conselho Tutelar e/ou efetuado “por meio do Conselho Tutelar”. Muito pelo contrário, justamente por força do disposto nos arts. 4º,caput e par. único e 259, par. único, do ECA (que, por sua vez, têm respaldo noart. 227, caput, da CF), cabe ao Poder Público organizar seus programas e serviços de modo a prestar um atendimento PRIORITÁRIO/PREFERENCIAL (além de ESPECIALIZADO/QUALIFICADO) a toda e qualquer demanda em matéria de infância e juventude – INDEPENDENTEMENTE DA INTERVENÇÃO DO CONSELHO TUTELAR (valendo neste aspecto observar também os princípios da “responsabilidade primária do Poder Público” e da “intervenção mínima”, previstos no art. 100, par. único, incisos III e VII, do ECA).
A utilização do veículo do Conselho Tutelar somente deve ocorrer em situações EXCEPCIONAIS, quando ficar demonstrado, de forma plenamente justificada, a absoluta impossibilidade de utilização dos veículos regularmente utilizados pelos órgãos público responsáveis pelo atendimento (com exceção, logicamente, de ambulâncias, já que o transporte de pacientes somente pode ser efetuado por estas), sendo a “cessão” do veículo e, eventualmente, do motorista (e, logicamente, NÃO ESTOU ME REFERINDO AO PRÓPRIO CONSELHEIRO TUTELAR), efetuada a título de “colaboração”, de modo a evitar o “mal maior” que seria deixar o usuário sem o atendimento…
Vale também lembrar que o Conselho Tutelar deve ter uma preocupação voltada, fundamentalmente, à solução de problemas “estruturais” (e mesmo “conceituais” – como é o caso do “transporte” de usuários) que o município apresenta (ou seja, deve atuar numa perspectiva eminentemente “preventiva” e com um “viés” COLETIVO).
Como dito acima, debatam a questão no colegiado, decidam/definam a “linha” de atuação do Conselho Tutelar (que, logicamente, TOMA DECISÕES mas NÃO AS EXECUTA – daí a razão de ser do art. 136, inciso III, alínea “a”, do ECA) e a levem para debate junto aos gestores (no exercício, inclusive, da atribuição contida no art. 136, inciso IX, do ECA) e ao CMDCA local, apresentando, fundamentadamente, a necessidade de definição dos mencionados “fluxos” e readequação dos serviços de modo que efetuem TAMBÉM o transporte dos usuários (quando necessário, é claro), fornecendo assim os MEIOS necessários para que o atendimento seja adequadamente prestado a TODOS que dele necessitem.
Para tal reivindicação, busquem também o apoio do Ministério Público, e não apenas da Promotoria da Infância e Juventude, mas também, a depender do caso, da Saúde, da Educação, dos Direitos Humanos/Garantias Constitucionais, Patrimônio Público/Improbidade Administrativa etc.
Espero ter podido ajudar.
Fonte: Autor: Murillo José Digiácomo disponivel em crianca.mppr.mp.br

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